Confira uma harmonização de costelão assado na lenha, mandioca ao queijo e especiarias e arroz doce
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01.10.2025 - 11h56min
Ao contrário do racional, quando escrevemos sobre um determinado tema antecipando o acontecimento, resolvi desta vez deixar passar os eventos Farroupilhas do mês de setembro para então dedicar esta coluna ao gaúchos de coração e alma, mas também a todos que de uma maneira ou outra são entusiasta do aroma da lenha queimando e, claro, o sabor inconfundível da tradição à mesa.
Mais do que uma celebração histórica, o tradicionalismo gaúcho é um convite irrecusável a uma imersão cultural e, para nós, enófilos e gourmets, uma oportunidade de ouro para explorar a harmonização em sua forma mais autêntica e prazerosa.
É nesse espírito que proponho desvendarmos juntos um menu que é pura tradição sulina e que clama por uma harmonização à altura: o majestoso costelão assado na lenha, acompanhado de uma mandioca cozida ao queijo e especiarias, culminando na delicadeza rústica do arroz doce.
Prepare-se para quebrar tabus e descobrir que a verdadeira arte da harmonização está em celebrar a experiência, sem medo de ousar.
O protagonista: Costelão – a sinfonia defumada da tradição
Não há ícone mais imponente em nossa culinária do que o costelão. Aquela carne que, lentamente assada por horas a fio, transforma-se em uma obra de arte: casca crocante e caramelizada, interior suculento que se desfaz em fibras, impregnado de fumaça e umami.
A gordura, que muitos veem como um obstáculo, é na verdade a chave para uma harmonização sublime, pois ela é a portadora de sabor e, quando bem acompanhada, torna-se uma aliada.
Aqui recomendo pelo menos 7 horas de fogo brando 90% do tempo assando com lado do osso para o fogo. Pode ser feito no chão, na churrasqueira, no tonel, o importante é usar lenha de mato e não carvão, labaredas baixas para que o cozimento seja bem calmo.
Os vinhos ideais para este colosso de sabores devem ser robustos, com taninos presentes, boa acidez e fruta madura que consiga equilibrar a riqueza da carne e limpar o paladar.
:: Tannat (Uruguai/Brasil): Um clássico sul-americano que encontra no costelão seu par perfeito. Sua estrutura tânica marcante, aliada a notas de frutas negras e, por vezes, um toque terroso ou de especiarias, abraça a gordura da costela, criando um contraste que amplifica ambos os elementos. Procure um Tannat com alguns anos de garrafa, que já tenha seus taninos mais polidos, ou um exemplar com passagem por madeira que adicione complexidade.
:: Malbec (Argentina): Especialmente os Malbecs de altitude, com sua fruta exuberante, acidez vibrante e taninos aveludados, mas presentes. Eles oferecem um contraponto frutado à intensidade defumada da carne, enquanto a acidez corta a gordura, preparando a boca para o próximo bocado.
:: Cabernet Sauvignon (Serra Gaúcha/Chile): exemplar bem estruturado, com sua espinha dorsal de cassis, cedro e taninos firmes, mas elegantes, é uma escolha infalível. A complexidade aromática e a boa persistência em boca casam-se com a intensidade do assado, enquanto a acidez natural da casta refresca o paladar.
O coadjuvante de peso: mandioca cozida ao queijo e especiarias – conforto e complexidade
Enquanto o costelão domina o palco, a mandioca com queijo e especiarias (com toques de pimenta do reino, noz-moscada e talvez um pitada de páprica defumada) oferece uma textura cremosa e um sabor que oscila entre o amido reconfortante da raiz, a untuosidade do queijo e o calor sutil das especiarias. Este é um prato que pede um vinho com certa textura e corpo, mas que não rivalize com o prato principal.:: Merlot (Serra Gaúcha/Vale dos Vinhedos): Um Merlot de corpo médio, com taninos macios e notas de frutas vermelhas maduras e um toque herbáceo ou de baunilha (se tiver leve passagem por madeira), pode ser um parceiro surpreendente. Sua suavidade não ofusca a mandioca, e sua acidez sutil ajuda a equilibrar a cremosidade do queijo.
:: Syrah (Brasil/Chile): Um Syrah mais fresco e frutado, sem excesso de madeira, pode trazer um interessante contraste com suas notas de pimenta preta e ameixa. Ele complementa as especiarias da mandioca e adiciona uma camada de sabor sem ser excessivamente pesado.
:: Chardonnay com passagem por madeira (Brasil/Chile): Para os amantes de brancos, um Chardonnay com leve passagem por carvalho, que confere notas amanteigadas e de baunilha, além de uma textura mais encorpada, pode ser uma escolha audaciosa e deliciosa. A cremosidade do vinho encontra eco na do queijo, e a acidez mantém o frescor.
O grand finale: arroz doce gourmet com arroz arbóreo e especiarias – doçura com sofisticação
Esqueça o arroz doce da vovó (com todo o respeito!). Esta versão gourmet, com a cremosidade do arroz arbóreo e a complexidade de especiarias como cardamomo, canela, baunilha e um toque cítrico de raspas de limão siciliano, exige um vinho de sobremesa que consiga igualar sua intensidade e, ao mesmo tempo, oferecer um contraponto de frescor.
:: Colheita Tardia (Brasil/Chile): Vinhos elaborados a partir de uvas que secam na videira, concentrando açúcares e aromas. Um exemplar branco, com suas notas de mel, damasco, figo e uma acidez vibrante, é um casamento perfeito. Ele abraça a doçura do arroz doce e realça as especiarias, deixando um final de boca limpo e convidativo.
:: Moscatel Espumante (Serra Gaúcha): Uma escolha mais leve e festiva, o Moscatel Espumante, com sua doçura delicada, efervescência refrescante e notas florais e de frutas brancas (pêssego, lichia), contrasta lindamente com a cremosidade e as especiarias. É uma harmonização que surpreende pela leveza.
:: Porto Tawny (Portugal): Para uma experiência mais intensa e sofisticada, um Porto Tawny 10 ou 20 anos, com suas notas de nozes, frutas secas, caramelo e especiarias doces, oferece uma complexidade que dialoga com o arroz doce gourmet, elevando a experiência a outro patamar.
A coragem de experimentar e o segredo do sommelier (neste caso também o churrasqueiro)
A harmonização, meus amigos, não é uma ciência exata gravada em pedra, mas sim uma arte de explorar sensações. Não se prenda a regras rígidas, o melhor vinho é aquele que te proporciona prazer com a comida.
Use estas sugestões como um guia, um ponto de partida para suas próprias descobertas. Convide os amigos, abra algumas garrafas diferentes e divirtam-se explorando as nuances que cada gole e cada garfada podem oferecer. A beleza está na jornada, na descoberta e no compartilhamento.
E para finalizar, um segredo que todo bom sommelier/churrasqueiro leva muito a sério, mas que começa muito antes da garrafa ser aberta: conhecer o seu açougueiro é tão fundamental quanto conhecer sua vinícula ou seu vinho. Uma boa costela, com a procedência e o corte certos, faz toda a diferença para o resultado final da sua obra-prima gastronômica. Ele é o primeiro guardião da qualidade, o alicerce para qualquer harmonização que virá depois.
Que a farra Farroupilha nos traga não apenas história, mas mesas fartas e taças cheias de memórias inesquecíveis. Saúde!
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